quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Texto de Formatura - Nonos e Terceiro - 2011

Alguns aspectos da filosofia nietzschiana, claramente inspirados na obra de Santo Agostinho, apontam o sofrimento como fator fundamental para o processo de maturação do ser humano. Para Nietzsche, o homem, enquanto ser limitado, sofre quando se depara com o seu limite. No limite do corpo, praticando exercícios, por exemplo, encontramos a dor. No limite da distância, a saudade. Não seria o caso, então, segundo esta análise, de escolhermos entre sofrer ou não sofrer, mas sim de decidirmos que postura tomar diante do inevitável.

Este ano de 2011, que logo menos se encerra, como todos os demais, deixou as suas marcas em nós. Ano difícil, que exigiu, de cada qual a seu modo, disposição para a mudança, na cabeça e na postura. Entretanto, criaturas acomodadas que somos, relutamos: estamos a querer a sempre mesma casa, em seus sempre mesmos móveis, dispostos da sempre mesma maneira. Queremos um emprego estável, uma família estável, os mesmos amigos. Qual o sentido de estarmos aqui, então, a celebrar uma passagem?

Meus queridos nonos anos, existe diante de nós uma vida imensa, não tenham pressa. Não há vergonha alguma em ser criança, mesmo quando se cresce. Meus amigos mais preciosos, digo por mim, são os mais pueris: eles me fazem rir, coisa tão difícil nesse mundo modorrento dos prazos e das contas. Lembrem-se, um coração que se endurece não é um coração maduro, pois, se maturidade é assumir responsabilidades, que dizer desses que se fecham para a própria vida? Assumam, sim, a responsabilidade de serem felizes.

Terceiro ano – difícil falar daquilo que não se conhece. Que foram todos os seus acessos? No emaranhado de expectativas, misto de sonho e medo que viveram o ano todo, como interpretar tudo o que fizeram? Não sei... Mas sinto que, lançados ao mundo desgastante dos estudos, ou aos perigos do ócio; chorosos de carência disfarçada em valentia, só queriam, em tudo, sempre e tanto, dizer: me aceita! Talvez... O que sei, é que sempre que me deparava com os teus rompantes, era como se qualquer coisa sua me dissesse:

Eu hoje tive um pesadelo e levantei atento, a tempo
Eu acordei com medo e procurei no escuro
Alguém com o seu carinho e lembrei de um tempo

Porque o passado me traz uma lembrança do tempo que eu era ainda criança
E o medo era motivo de choro, desculpa pra um abraço ou consolo.

Hoje eu acordei com medo, mas não chorei, nem reclamei abrigo.
Do escuro, eu via o infinito sem presente, passado ou futuro.
Senti um abraço forte, já não era medo, era uma coisa sua que ficou em mim
E que não tem fim.

De repente, a gente vê que perdeu, ou está perdendo alguma coisa
Morna e ingênua que vai ficando no caminho

Que é escuro e frio, mas também bonito porque é iluminado
Pela beleza do que aconteceu há minutos atrás

Como disse, não sei... O que sei é que há um mundo enorme lá fora a tua procura, e que pede de ti essa vida que transborda em mágoa, mas também em alegria. E definitivamente não é hora de deixar o tempo esperando.


“Um belo sonho veio então despertar minha vontade, tudo vale a pena pra te reencontrar, me livrei de tudo aquilo e consegui mudar: tudo o que foi feito em troca de uma amizade...”

Obrigado.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

desabafo - meu e comigo

Quando decidi ser professor, sabia bem o que estava fazendo. Nunca ficaria rico, trabalharia horas a fio, inclusive aos fins de semana, sendo por isso frequentemente visitado pelo cansaço. Muitos foram os que me alertaram e até tentaram me persuadir: minha mãe, que me queria jornalista, meus amigos, que me queriam músico, compositor, escritor ou dono de boteco, a diretora da minha escola, que sabia bem do que dizia. Não alego, pois, ignorância, foi uma decisão absolutamente consciente. No momento em que marcava o xis no curso de Letras, o que eu fazia era, idealista que sou, ser sincero comigo, com aquilo que via (e que, teimoso, ainda vejo) como projeto de vida, no mais lírico dos sentidos.

Em meus três primeiros anos lecionando, vivi como quem vive um romance. Apaixonado pela carreira e pelos que faziam parte dela (colegas de trabalho e alunos, principalmente alunos), tive a convicção de ter escolhido bem. Acreditei ver ser possível educar para vida, estabelecendo relações mais que profissionais. São pessoas convivendo, eu repetia todos os dias, e pessoas se interferem. Acompanhei o crescimento de muita gente, de alguns tive orgulho - esses, os mesmos, eu sei, que se orgulham de mim -, por outros nutri esperança. Eu me via contribuindo e isso era bom.

Entretanto, veio o ano de 2011 e questionou tudo isso. Fui ofendido, dentro e fora de sala, algumas vezes. Todas por alunos por quem tive (já não posso dizer que tenho) um carinho enorme. Vi bons meninos e meninas mostrando-se qualquer coisa que não conheço e com a qual não concordo. Minha honestidade foi colocada à mesa, meu caráter também (e até, veja só, minha qualidade profissional, da qual tenho inabalável segurança - sei de tudo que fiz, sei de tudo que faço). Um considerável número de mentiras ao meu respeito divertiu alguns, a outros convenceu, sem direito de defesa, diga-se. Fraqueza minha, cedi. Não consegui deixar de me embrutecer. Eram pessoas de quem gostava, pessoas para quem dediquei momentos da minha vida, não queria vê-los de índole fraca, de vontade fraca, de postura fraca diante da vida.

Não consigo deixar de pensar que falhei com essas crianças, pois eu sei, sou corresponsável pela educação de todos eles. Mas não foi falta de esforço, talvez de traquejo, habilidade, mas não de esforço. Não consegui, me vendo coisificado e dispensado por já não ser útil, ajudar.

É claro que não falo aqui de uma população homogênea. Um bom número de moleques justifica os percalços, não por futuras aprovações neste ou naquele vestibular concorrido, mas por terem se mostrado humanos quando o entorno cobrava aspereza.

É um mundo difícil esse para aqueles que acreditam na educação, para os que acreditam nas pessoas, e em si. Este ano, que ainda guarda uma das suas, não duvido, me levou a inocência. Não reclamo. Aquela escolha feita, o xis no curso de Letras, a teimosia: foi tudo de caso pensado e eu não me traio. Nem desisto. Você, 2011, ano mais difícil, me ensinou que querermos o bem não faz com que ele entre em pauta, nem que seja bem quisto. Me ensinou que eu não tenho controle sobre as coisas que eu gostaria de ter e que, em boa parte dos casos, vai ser assim sempre e eu terei que conviver com isso. E isso é bom.

“...e ninguém, mas ninguém percebia que a sua raiva era um amor muito bem disfarçado...”

terça-feira, 29 de março de 2011

Para poucos

Confunde-se



Confunde-se estudo com virtude. Não é. Estudo é escolha, opção como qualquer outra. Escolhe-se estudar da mesma forma que se escolhe ler este ou aquele livro, ir ao cinema na quarta ou no sábado. Naturalmente, como as demais, é escolha pautada em elementos subjetivos - gosto, vontades, sonhos, aptidões, inclinações, determinação. Não gostar de estudar não faz má pessoa. Pois virtude é coisa que o estudo não é.

Confunde-se também respeito com virtude. Não é. Respeito é valor e como tal deveria habitar em todos como pressuposto para uma vida minimamente harmoniosa. Por ser de caráter consciente e racional, caminha ao lado do polegar opositor e do telencéfalo altamente desenvolvido como traço característico daquilo que é ser humano.

Porque virtude mesmo é outra coisa. Virtude é aquilo em nós que nos põe a praticar o bem e evitar o mal. Não se escolhe ser virtuoso, isso vem do caráter, do exercício moral de preocupar-se consigo e com o próximo - não é causa, é consequência. Ser paciente é ser virtuoso. Ter gratidão também. São coisas que nem todos são e que ninguém tem a obrigação de ser. Mas que sendo, eleva.

Entretanto, e talvez seja esse o cerne do problema, há quem confunda deboche e indiferença com virtude. Cultiva-se a cada um como fosse planta do trópico regada ao sol. Como consequência destruidora desse engano, ignora-se a memória, esquece-se do sonho partilhado, da dedicação gratuita, dos laços amparados no afeto e no comprometimento. Esvazia-se a si e ao outro, como fossem pouco. Como fossem descartáveis.

Assim, coisificando-se, um emaranhado de lembranças e cuidados dão lugar ao insulto, ainda que velado, calado nos olhares. Vive-se, então, onde só o defeito vigora. Onde só o defeito afasta. E triste é passar pela vida assim.




"Eu sei porque vi com meus olhos. Além dos luminosos que

não brilham mais, dorme às escuras a lua"